segunda-feira, 27 de abril de 2009

O Sonho de uma Vida - continuação

Queria acreditar que ele ainda estava ali com ela e então, fechava os olhos e, sentada, apoiava a cabeça dos joelhos, abraçando-os com força como quando imaginava fazer viagens no tempo. De facto, era tudo aquilo que ela queria, poder voltar atrás e reviver tudo aquilo outra vez. Poder crescer mais uma vez, poder perguntar e responder a tudo aquilo que não foi dito. Porque é que a única pessoa que mais merecia a eternidade tinha partido assim? É certo que já tinha a sua idade, mas foi tudo rápido e cedo demais. Ainda lhe faltava tanto para ver, tanto para compensar tudo aquilo que ele lhe tinha ensinado…
Desde a sua morte que não conseguia sorrir verdadeiramente, não se sentia bem em fazê-lo, ao mesmo tempo revoltava-se por achar que a culpa era do seu avô, por lhe ter ensinado a ver as coisas de uma perspectiva que ele achava demasiado sonhadora, demasiado proteccionista, demasiado irreal. E agora? Agora estava assim, completamente desamparada. Por isso tinha decidido que recusaria tudo aquilo que se ligasse ao sentir. A vida seria muito mais fácil sem sentimentos, não? Poder passear na rua, observar as coisas e não sentir nada sobre isso. Olhar, apenas. Não criar relações. Enfim, simplificar. Na realidade, para Sofia, era assim que todos tinham aprendido a viver: na indiferença. Indiferença face aos problemas dos outros e classificação de atitudes desacertadas, que vão ao desencontro de direitos que deveriam estar garantidos e que mesmo assim, são consideradas “ normais”.
Outrora o que parecia óbvio surgia agora confuso e impreciso e nem mesmo aquele local conseguia curar isso, pelo menos não até agora. Quando levantou a cabeça algo lhe chamou a atenção e não foi nem a velha mendiga, nem os idosos reformados, não foram as crianças, nem tão pouco um qualquer casal de namorados que por ali passava. O que lhe chamou a atenção foi um rapaz que tal como ela estava sozinho, sentado também ele no chão, brincando com a relva e observando a paisagem que, delicadamente reproduzia no bloco de folhas que apoiava sobre as pernas traçadas. O seu olhar era o oposto do olhar de Sofia: era contemplador, sonhador, feliz, calmo e leve. Devia ser aproximadamente da sua idade. De repente Sofia parou. O que é que estava a fazer? Ela queria afastar-se de tudo o que a pudesse magoar, de tudo o que a pudesse marcar e por isso, levantou-se bruscamente e em passo acelerado saiu daquele lugar sem sequer olhar para trás. Quando chegou a casa encontrou uma série de outras preocupações e acabou por esquecer o assunto mas, quando a noite trouxe o silêncio e o sossego e quietude imperou na sua casa voltou a recordar-se daquele “encontro”. O olhar que tinha visto inquietava-a. Era o olhar inocente de uma criança, de quem não conhece ou não vê o mundo, de quem não tem consciência da maldade, da pobreza, da corrupção, da fome, da doença, da solidão, da falta de assistência, da injustiça, e de todos esses males presentes na sociedade e que fazem, quer queiramos quer não, directa ou indirectamente, parte de nós. Como é que ele o conseguia manter? Fazia-lhe recordar o seu avô. Ele sim, lhe repetia constantemente para que ela experimentasse, sentisse com todas as suas forças, tudo o que existe para sentir, todas as sensações, todos os presentes possíveis de encontrar. E assim, embalada nesse pensamento acabou por adormecer e pela primeira vez, ao contrário do que já se habituara a prever, não teve qualquer pesadelo, mas um sonho, um pouco sem sentido, mas mesmo assim um sonho.
[ continua ]

3 comentários:

  1. morte, nunca avisa. dói sempre.

    mas há algo superior, o amor. e isso, não morre.

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  2. está um selinho para ti no meu blog (a)

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  3. Dizer que está perfeito não chega,

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