sábado, 20 de dezembro de 2008

A menina que queria uns pais para o Natal


27 de Julho de 2003.
Era domingo, e como era natural num dia de Verão, estava imenso calor e a Sofia tinha ido à praia. Mas, apesar de muito ter pedido aos seus pais, não brincou, não foi dar um mergulho ao mar, nem tão pouco se deitou na areia, mas estava ali, era uma oportunidade para estar em família, para voltar a ser (apesar de sentir que nunca o fora) o centro das atenções. Era uma criança activa, tinha as suas razoáveis notas, não era de arranjar confusões mas não era suficientemente boa para os pais. Estes eram demasiado rígidos e exigentes com ela por gostarem demasiado dela claro. Bom, pelo menos era isso que ela se queria convencer, sabia-lhe bem pensar que a falta de atenção era fruto de uma estratégia psicológica com o objectivo de fomentar uma luta maior por parte de Sofia em tudo o que fazia. Miúda forte, ela fingia não se importar enquanto chorava baixinho, por dentro. Afinal, de que é que se podia queixar? Tinha um pai, uma mãe e um irmão. Tinha um tecto, roupa, comida e brinquedos. Tinha luxos que muitas crianças desejavam toda a vida vir a ter. Mas esta criança (mimada talvez) queria mais, queria atenção, aliás, queria amor. Queria um beijo de boas noites, um abraço, uma ligeira, nem que fosse falsa, preocupação, a simples pergunta de como “ Como correu o dia na escola?” já a deixaria feliz, mesmo que depois não a ouvissem, ela teria a oportunidade de falar, de contar as suas (des)aventuras. Mas a pergunta não vinha. O que vinham eram discussões, eram preocupações com contas, eram horas extraordinárias no trabalho, eram conversas no telefone, era silêncio quebrado pelo som da TV ao jantar, eram conversas que escasseavam na casa. Apesar de tudo, Sofia tinha consciência do que se passava e foi neste dia que escreveu, sobre um pedido de ida a um espectáculo recusado: “ gostaria que me compensassem de alguma forma, como por exemplo jogar alguns jogos comigo… Mas quem é que eu estou a enganar? Eles nunca fariam isso por mim!!”. A dor era muita, acentuada pelo ciúme que tinha, ao ver o seu irmão receber a atenção por que ela tanto lutava, mas não lhe queria mal por isso, ele adorava-o, e não queria que ele perdesse todo o carinho e atenção que lhe era dado, merecia-o, mas e ela? O que é que lhe faltava? Ser mais bonita? Mais inteligente? Mais adulta? Mais criança? Mais responsável? Mais brincalhona? Ela já tinha tentado ser tudo e de todas as maneiras, mas nunca o conseguia.
Passaram cinco anos e pouca coisa mudou, nem mesmo o interior de Sofia. Os espetáculos de dança, as notas escolares, a participação em concursos, eleições escolares, nada parecia orgullhar os seus pais, pois nada era digno de um beijo, ou de um simples “ Parabéns”. Ainda hoje se tenta convencer de que a culpa não é dela, que não tem que lutar para ser perfeita, mas é mais forte do que ela, e mais um Natal que chega e o pedido dela é sempre o mesmo:


“ Este ano, quero uns pais para o Natal”.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

O folhear da primeira página


Escuridão Sombria. Duas palavras simples, mas que juntas se tornam misteriosas, para muitos assustadoras, para mim familiares. Existe um medo da noite, do desconhecido, sentimo-nos perdidos, desprotegidos e vulneráveis. Eu disse sentimo-nos? Disparate. Eu não me sinto assim, pelo contrário, é à noite que pareço conhecer-me melhor, em que acordo, desperto, não para o mundo, para a azáfama da vida, mas para mim mesma, para a razão da vida em si. É à noite que, no meu mundo (leia-se: no meu pequeno quarto), encontro o meu refúgio, é já quando todos estão a dormir e apenas oiço um ou som, talvez do frigorifico, do aquecedor, ou de outro qualquer electrodoméstico. É nesse mesmo momento em que respiro verdadeiramente, em que me encontro e ganho asas para ser eu, das mais diversas, estúpidas e incompreensíveis formas. Se num dia me dá para escrever, no outro dá-me para agarrar no Mp3 e ouvir música bem alto, dançar, pular para no momento seguinte rir sozinha ao ver a minha figura, e correr para a cama antes que alguém se aperceba que estou acordada. Existem ainda vezes em que simplesmente me sento, no chão, encostada à cama e choro. Choro compulsivamente sem saber porquê, ou por sabê-lo bem demais.


Mas não é de lágrimas que quero falar, pelo menos agora. Quero agradecer à Ana Rita - e palpita-me que sobre ela irei falar muitas vezes, quer directa quer indirectamente - por ter entrado assim na minha vida, e me ter incentivado a criar este blogue, vamos ver no que resulta.